As práticas sadomasoquistas consensuais e fetichistas não são facilmente definidas, pois abrangem um leque de comportamentos onde muitos dos praticantes não apreciam todos os papéis e atividades, estando a descrição detalhada de cada prática BDSM e fetichista, fora do âmbito do presente estudo. Focaremos, no entanto, os termos mais gerais.
O termo “BDSM’, que se refere ao universo sadomasoquista como um todo, envolve todos os seus aspectos - dominação, submissão, bondage, disciplina, sadismo e masoquismo, enquanto “SM” significa “sadomasoquismo” (Paschoal, 2002, p 14). Entretanto, a relação entre os dois termos é análoga à distinção entre os termos “homossexual” e “gay” (Moser, 1996, p 24).
Segundo a perspectiva teórica deste autor, “Dominação e Submissão (DS), implica na transferência deliberada do controle psicológico e sexual de um parceiro para o outro, sem que haja necessariamente, elementos de dor física ou humilhação. O termo “Bondage e Disciplina”, “B&D” ou B/D, refere-se às práticas sexuais com variados tipos de imobilização ou restrição física, enquanto “Disciplina” indica a representação de fantasias que se relacionam à punição/castigo, como por ex, a fantasia “professor/estudante”. “Humilhação” refere-se às cenas de “role-play” nas quais o parceiro dominante detém o controle do poder sobre o parceiro submisso, infligindo e ritualizando torturas psicológicas, como insultos verbais de conotação sexual. Em relação aos termos “sadista” e “masoquista”, existe uma conotação mais fisiológica, de natureza sexual, onde as pessoas experimentam sensações de prazer ao dar e/ou receber cuidadosamente controladas sensações de dor, como no caso de levar chineladas ou chicotadas (Moser, 1996, p 25). Já a palavra “leather” é usada na comunidade sadomasoquista por gays e lésbicas (Moser, 1996, p 63).
Outros comportamentos também geralmente incluídos na prática sadomasoquista são o “age-play”, um fetiche no qual exige-se que o parceiro atue como tendo uma idade diferente, algumas vezes mais velho ou mais novo (representando um bebê, por ex.); a feminização forçada ou voluntária dos submissos masculinos que vestem saltos altos, cintas-ligas e vestimentas femininas (crossdressing) e também jogos sexuais que envolvem urinas e excrementos. Paschoal (2002, p 16) sustenta que “cada um desses conceitos tem aspectos pessoais, individuais e únicos, tais como as pessoas que os praticam…Cada um é livre para escolher qual deles prefere e como prefere….Não há como seguir os vários conceitos de forma literal, já que a criatividade humana e as liberdades individuais são o que há de mais precioso no ser humano”.
Com a mesma criatividade, a comunidade BDSM criou o termo “baunilha” (”vanilha”), para se referir às práticas sexuais convencionais que não envolvem nenhum componente SM (Scott, 1997, p 3). A tríade “Sanidade, Segurança e Consensualidade” (Brame G, Brame W & Jacobs, 1993, p 49) é considerada uma norma básica das práticas não convencionais consensuais e jamais pode ser ignorada ou negligenciada. Paschoal (2002, p 22) afirma que a não existência de qualquer um dos aspectos SSC, torna toda e qualquer relação BDSM totalmente inviável.
Por “Consensualidade”, Moser (1996, p 31), entende o acordo voluntário firmado entre os participantes do jogo erótico, no qual os limites de cada participante são honrados. Esclarece que, não se pode chamar o abuso doméstico que ocorre entre um casal de SM, pois o SM é consensual e o abuso imposto a um parceiro não é. Podemos usar como exemplo o intercurso sexual e o estupro, onde o primeiro é consentido e o segundo é imposto sob coação. Portanto, a diferença entre o sadomasoquismo e a verdadeira violência, encontra-se no consentimento informado (”informed consent”) [Moser, 1996, p31]. A “Sanidade” refere-se à conscientização do que os participantes estão fazendo numa cena SM: trata-se de uma fantasia e que não corresponde à realidade. Certas práticas BDSM implicam em riscos consideráveis. Nesse sentido, o conhecimento do parceiro, o estabelecimento de limites e saber os riscos inerentes a cada prática, são fatores importantíssimos para que o jogo erótico BDSM seja seguro e prazeroso. Vale dizer também, que segurança engloba também algumas proibições. Como é extremamente importante que se tenha completa consciência sobre o que se está fazendo, o uso do álcool e de qualquer tipo de droga é severamente desaconselhado antes ou durante a cena ou jogo BDSM (Paschoal, 2002, p 27). Caso algum limite físico ou psicológico seja ultrapassado, o uso da “safeword” ou “palavra de segurança” restabelece os limites da segurança física e emocional dos participantes e o jogo é imediatamente interrompido.(Paschoal, 2002, p 25).
Segundo Brame, G, Brame, W & Jacobs (1993, p 358), a origem da palavra fetish vêm da palavra em português feitiço e consta que foi usada pela primeira vez por exploradores portugueses do séc. XV para descrever figuras sagradas. No seu sentido antropológico o fetiche está ligado à artefatos sagrados investidos de poderes espirituais. Para os fetichistas, o fetiche erótico é o próprio símbolo do divino, podendo excitar e mesmo induzir os seus devotos ao êxtase. Exemplos de fetiches eróticos são encontrados naqueles que admiram um par de sapatos, ao invés do pé que o veste; ou então o próprio pé é considerado extremamente excitante, em detrimento do corpo humano como um todo. Todos os seres humanos são fetichistas em algum grau. Na cultura brasileira, as nádegas são objeto de adoração nacional, enquanto na cultura americana, há uma extrema valorização dos seios. Na China, um pé feminino pequeno é extremamente sexy. Isso demonstra que diferentes culturas elegem seus próprios fetiches. Como Paschoal (2002, p 6 muito bem ilustra, “um fetiche seria uma preferência específica dentro de um universo de possibilidades…o BDSM está mais para uma fantasia repleta de fetiches. Assim como um masoquista prefere (ou tem o fetiche de) receber dor, ou ser torturado exclusivamente com cordas; ou com velas; ou com gelo; ou com todas as alternativas; ou com nenhuma delas. O sádico prefere ( ou tem o fetiche de ) causar dor. Tudo são fetiches”.
No tocante à realidade brasileira, a Internet tornou-se um poderoso veículo para a procura de informações e contatos de pessoas que se interessam pelas práticas eróticas sadomasoquistas e fetichistas, contribuindo largamente para a formação de uma subcultura “virtual” de minorias sexuais. O movimento BDSM brasileiro encontra-se num estágio embrionário, mas crescente.
Segundo os artigos sobre SM disponibilizados em seu website (www.ncsfreedom.org.), a NCSF esclarece que o Sadomasoquismo não é abuso nem violência doméstica, sendo este último “um padrão de comportamento intencional de intimidação com o objetivo de coagir ou isolar o outro parceiro sem o seu consentimento”(www.ncsfreedom.org/what.htm), opostamente ao que ocorre nas práticas BDSM, onde os parceiros envolvidos concordam sobre tudo o que vai acontecer no jogo erótico, além de serem pessoas muito bem informadas sobre as possíveis conseqüências na troca erótica do jogo de poder. Esclarece ainda que a violência doméstica pode ocorrer em qualquer grupo de pessoas, inclusive entre os que praticam SM, mas com a diferença de que dentro da comunidade sadomasoquista, a violência doméstica não é perdoada e suas vítimas e abusadores são encorajados a procurar ajuda especializada.
Texto completo em PRÁTICAS SEXUAIS DITAS “DESVIANTES”: PERVERSÃO OU DIREITO À DIFERENÇA?
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